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A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

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O telefone à sua frente tocou. Ergueu o olhar para ver quem era e leu o nome de Amélia. Premiu o botão de voz alta e respondeu:

- Diga Amélia.

- Doutora… tem aqui… uma visita…

- Uma visita? Quem é?

- A pessoa pede para não dizer quem é… Só quer falar consigo…

- É trabalho?

A porta abriu-se de supetão e Arlindo irrompeu pelo gabinete.

- Não, não é trabalho…

Lídia ergueu-se furiosa da sua cadeira, passou pelo homem e dirigiu-se à secretária:

- Amélia... chame-me a segurança, se fizer favor…

Arlindo exibia uma calma e uma serenidade invulgares. Aproximou-se da porta e avisou Amélia:

- Deixe estar que saio já! Não necessita incomodar o meu colega.

Depois encerrou a porta. Lídia teimou em aceder à saída mas com ele na frente percebeu que não conseguia levar a sua avante. Regressou ao lugar naquele ar autoritário como era conhecida na empresa e voltando para os papéis, observou:

- Que tem o senhor para me dizer que eu não saiba já?

Soltando uma gargalhada sonora, Arlindo seduziu:

- Ainda és mais bonita quando estás zangada!

A mulher percebeu que a batalha estava perdida. Aquele homem tinha o condão de a desconcertar. Talvez pela paz que dele irradiava. Ou seria ele um grande actor? Fosse como fosse, haviam passado seis meses desde que ela o pusera fora do seu apartamento naquela célebre tarde de ano novo.

Bastara na altura uma simples frase para tudo se estragar… E ela recordava-se como tivesse sido naquele instante. E ao invés do que seria de supor, Arlindo partira de casa dela sem fazer qualquer intenção em esclarecer o mal-entendido. Percebera que Lídia estava fora de si e aguardou que o tempo aplacasse a fúria da bonita gestora. Mesmo após a recepção daquele enorme ramo de rosas vermelhas quase no final de Fevereiro, no dia dos seus anos, com a frase: “Há quem veja espinhos nas rosas, eu vejo rosas nos espinhos. A.”, Lídia não tentou reactivar a amizade.

Mas ora era chegado o tempo de esclarecer, finalmente:

- Deixa-te que palavreado… Diz-me ao que vens que o meu tempo é caro – recostou-se na cadeira e esperou que o antagonista falasse.

Arlindo vestia uma roupa pouco formal e de mãos nos bolsos, virou as costas à amiga, passeou livremente pelo imenso gabinete e declarou:

- Faz este ano dez anos… A Marinha havia-me dado muita coisa mas não me abrira os olhos para as mulheres. Numa unidade conheci Jessica. Era enfermeira, bonita, charmosa e muito, muito atrevida. Conhecemo-nos no bar do hospital. Dali a poucos dias saíamos a primeira vez e dois meses depois estávamos casados. Nunca tive verdadeira consciência do passo que dera. De tal maneira que nem à família contei que havia casado. E ainda bem… Um dia fui destacado para uma corveta que partiu três meses para os Açores. E ela cá sozinha… Quando regressei ela estava grávida e não era de mim! Nessa mesma noite parti e nunca mais soube nada dela. Mudei de número de telemóvel e apenas um amigo em comum sabia disso. O mesmo que lhe deu o número naquele dia. Juridicamente sou um homem casado mas na realidade sou solteiro faz muito tempo.

Lídia parecia não acreditar numa palavra dele. Já fora demasiadas vezes ludibriada. Quando ele se calou, devolveu:

- Porque é que vieste aqui explicar essa história de faca e alguidar? Acreditas mesmo que vou nessa desculpa?

Ele parecia preparado para a pergunta dela:

- Eu sei que nunca mais vais acreditar em mim… eu sei… Talvez seja por isto que as mulheres são tantas vezes enganadas…

- Porquê?

- Porque não sabem lidar com a verdade… Preferem muitas vezes a mentira… Dói menos!

Lídia deu uma palmada violenta nos papéis que tinha em cima da mesa e ordenou:

- Sai daqui, já!

Pacatamente o segurança dirigiu-se à saída do gabinete, rodou a maçaneta, escancarou a porta e quando atravessou esta disse em tom sonoro para que todos os do lado de fora ouvissem:

- Sim querida eu também te amo!

Amélia baixou a cabeça e riu baixinho.

 

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