400 palavras - V
O causídico lia o documento com invulgar atenção. De quando em vez rasgava o cabelo baço e lustroso com o dedo mindinho, sinal que algo não estava bem.
A cliente, jovem e bonita, sentada na sua frente a seu convite, seguia o vaivém do olhar com profunda expectativa. As folhas A4 eram passadas devagar e ainda assim o advogado voltava atrás para reler ou perceber alguma divergência.
Ao fim de um bom pedaço de incontável tempo, levantou os olhos dos papéis e recostando-se à enorme cadeira que acolhia o seu corpo balofo, declarou:
- Nem sei o que pensar disto… - e agitava o volume das folhas que acabara de ler.
A rapariga baixou os olhos, como que envergonhada, para a carpete de Arraiolos que atapetava o chão do gabinete e juntando todas as forças que sentia acabou por fazer a sacramental pergunta:
- Diga-me doutor… sinceramente… há algo que se possa fazer?
Habituado a mais de trinta anos de imensos contratos, o advogado percebeu que tinha ali um problema de difícil solução. Jamais na sua já longa carreira tivera entre mãos um acordo que abrangesse todas as hipóteses, mesmo a mais remota. Mas o contrato estava assinado por ambas as partes e era para cumprir.
Ergueu-se da cadeira e espreitou a rua através do estore semiaberto, como se procurasse uma solução, uma resposta assaz simples. Todavia jamais enjeitara um desafio, mesmo que existisse somente uma vã esperança de vitória. E aquele era mais que um desafio…
Contornou a enorme secretária e aproximando-se da jovem acenou com os papéis, ao mesmo tempo que questionava:
- Como foi capaz de assinar isto?
As lágrimas rolaram pela face bem maquilhada, deixando um rasgo profundo. Retirou da mala um lenço de papel com o qual tentou absorver o choro. Depois, foi respondendo:
- Não sei… creia-me que não sei!
Abanando a cabeça numa negação o advogado regressou à cadeira. Recostou-se e por fim lançou a proposta:
- Posso mostrar este documento ao meu colega de escritório? Pode ser que ele veja algo mais, que não descortinei…
- Não, não faça isso, por favor. A vergonha em estar aqui já é demasiado grande.
A velha raposa das barras suspirou, passou novamente as mãos pelo cabelo e atirou:
- A menina tem consciência do que assinou?
- Não doutor, não tenho.
Acordo na mão, o homem denunciou:
- Simplesmente fez um contrato com o Diabo!