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A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

Vasco nascera no seio de uma daquelas famílias modernas onde tudo era assente numa lógica de verdade, sem subterfúgios nem desculpas.

Deste modo o petiz desde muito novo foi iniciado nas realidades humanas. A barriga da mãe crescia e quando perguntou porquê o pai explicou-lhe, numa linguagem incompreensível para a criança, todo o percurso da concepção de um filho. Mais tarde foi a mãe que teve de se empenhar em desmistificar a razão da avó Lurdes ir todos os domingos a uma casa enorme com muita gente. E a não existência de televisão em casa foi outro problema a ser resolvido.

A criança perdia todos os dias a magia da descoberta do mundo por ela própria. Tudo era desvendado sem segredos nem tabus.

Aos cinco anos Vasquinho já sabia ler e escrever e conhecia com competência quase todos os números. Uma vantagem em relação aos colegas da mesma classe, observava orgulhoso o pai, em véspera do começo da escola. Colégio privado claramente, pois não havia tempo a perder na aprendizagem.

No entanto certo dia o gaiato regressou a casa em silêncio. Em demasia, confirmava o pai. Está doente, diagnosticava a mãe, enquanto dava a papa à criança mais nova da família. Preocupados carregaram Vasco com demasiadas perguntas. Indefeso e triste Vasquinho acabou por revelar o seu drama:

- Os meninos lá da escola zangaram-se comigo…

- Porquê? O que fizeste? – perguntou o pai num tom preocupado.

- Eu não fiz nada. Só disse que o Pai Natal não existe!

- Pois não… - confirmou

- Mas eles não acreditaram em mim.

- Ora que importa isso… A verdade é que o tal de Pai Natal de encarnado vestido é uma invenção duma marca de bebidas.

- Eu sei papá, tu já tinhas dito isso.

- Ora. Porquê então ficares triste, quando sabes a verdade?

O menino nada disse. Mas os olhos enchiam-se lentamente de lágrimas. O pai olhou a mãe e encolheu os ombros sem saber o que dizer. Com doçura e meiguice aproximou-se mais do menino, pegou nele e sentou-o nas suas pernas. O filho encostou a cabeça ao peito do pai e começou a chorar. De mansinho, como se lavasse a sua alma tão nova mas já tão amargurada.

Quando parou olhou o pai e falou:

- Posso pedir uma coisa, papá?

- Claro Vasco. Diz lá o que queres…

- Papá deixa-me também acreditar no Pai Natal!