400 palavras - Especial de Natal
Vasco nascera no seio de uma daquelas famílias modernas onde tudo era assente numa lógica de verdade, sem subterfúgios nem desculpas.
Deste modo o petiz desde muito novo foi iniciado nas realidades humanas. A barriga da mãe crescia e quando perguntou porquê o pai explicou-lhe, numa linguagem incompreensível para a criança, todo o percurso da concepção de um filho. Mais tarde foi a mãe que teve de se empenhar em desmistificar a razão da avó Lurdes ir todos os domingos a uma casa enorme com muita gente. E a não existência de televisão em casa foi outro problema a ser resolvido.
A criança perdia todos os dias a magia da descoberta do mundo por ela própria. Tudo era desvendado sem segredos nem tabus.
Aos cinco anos Vasquinho já sabia ler e escrever e conhecia com competência quase todos os números. Uma vantagem em relação aos colegas da mesma classe, observava orgulhoso o pai, em véspera do começo da escola. Colégio privado claramente, pois não havia tempo a perder na aprendizagem.
No entanto certo dia o gaiato regressou a casa em silêncio. Em demasia, confirmava o pai. Está doente, diagnosticava a mãe, enquanto dava a papa à criança mais nova da família. Preocupados carregaram Vasco com demasiadas perguntas. Indefeso e triste Vasquinho acabou por revelar o seu drama:
- Os meninos lá da escola zangaram-se comigo…
- Porquê? O que fizeste? – perguntou o pai num tom preocupado.
- Eu não fiz nada. Só disse que o Pai Natal não existe!
- Pois não… - confirmou
- Mas eles não acreditaram em mim.
- Ora que importa isso… A verdade é que o tal de Pai Natal de encarnado vestido é uma invenção duma marca de bebidas.
- Eu sei papá, tu já tinhas dito isso.
- Ora. Porquê então ficares triste, quando sabes a verdade?
O menino nada disse. Mas os olhos enchiam-se lentamente de lágrimas. O pai olhou a mãe e encolheu os ombros sem saber o que dizer. Com doçura e meiguice aproximou-se mais do menino, pegou nele e sentou-o nas suas pernas. O filho encostou a cabeça ao peito do pai e começou a chorar. De mansinho, como se lavasse a sua alma tão nova mas já tão amargurada.
Quando parou olhou o pai e falou:
- Posso pedir uma coisa, papá?
- Claro Vasco. Diz lá o que queres…
- Papá deixa-me também acreditar no Pai Natal!