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A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

 

Carlos e Filipa, dois jovens adultos que tiveram necessidade de emigrar, encontraram a sua oportunidade em Barcelona, há cerca de três meses. Festejariam o Natal longe da família, pela primeira vez. A poucos dias da data, decidiram visitar o Parc Güell; passear era a sua tentativa de atenuar as saudades que já começavam a sentir.

O parque ora brilhava à luz de alguns raios de sol, ora se tornava melancólico sob as nuvens e o rapaz teve que aumentar a luminosidade do ecrã do seu smartphone, enquanto caminhava alguns passos atrás da namorada.

- Carlos, vê o supositório ali ao fundo! – Referia-se ao edifício alongado e prateado, que pertence à Companhia das Águas e é bem visível, se olharmos para a esquerda, na direção do mar.

O rapaz, com quase trinta anos, acenou com a cabeça, emitindo um “hum, hum” aparentemente desinteressado.

 - Vá, larga isso! – Filipa sacou-lhe o telemóvel e escondeu-o na sua mala, abraçando de seguida a cintura de Carlos.

Ele retribuiu o abraço, enquanto observava o caminho à esquerda, atento a todas as pessoas que passavam. Finalmente, avistou os dois homens que esperava - um corpulento e outro mais esguio -, com as caixas negras e compridas aos ombros.

- Filipa… - A voz de Carlos soou fraca e medrosa.

- Não te vou devolver o telemóvel, evitas de pedir!  

- Não é isso… - Voltou a olhar na direção dos homens, inquieto. – Sabes que adoro viver contigo e que valorizo mesmo muito o teu apoio nesta nova fase da nossa vida. Sei que te custa passar o Natal longe dos teus pais. Mas agora também nós somos uma família.

O rapaz acarinhou o ventre convexo da namorada, prenúncio de uma gravidez de cinco meses, e tirou a pequena caixa do seu bolso, ansioso.

- Sabes que não podemos continuar naquele apartamento. É minúsculo…. – Os homens, já mais perto do casal, abriram os estojos dos seus violinos e pouco depois, particularmente familiar para Filipa, esta era a melodia que soava no parque:

 

  

Também Carlos abriu a sua pequena caixa. Esta não continha um instrumento musical, mas sim uma chave, que brilhava sobre o veludo vermelho.

- Quero que sejas minha esposa numa nova casa…

A rapariga pegou na chave com que abriria a porta do lar de ambos e abraçou o noivo, enquanto soltava incontáveis lágrimas de felicidade, talvez exacerbadas pelas hormonas da gravidez.

- Que rico Pai Natal me saíste, Amor!

- Mas foi por pouco que não me estragaste o plano. Estava a enviar mensagens aos músicos para que viessem ter connosco, quando me roubaste o telemóvel…

 

Longe da família, mas sentindo-se em casa, abraçaram-se ao som dos violinos.