Ao telefone
Arlindo sabia que a precipitada demissão da Directora-Geral da empresa estava umbicalmente ligada à sua entrada. Muitas vezes lhe ligou e mandou mensagens para poderem falar, antes da sua admissão, mas Lídia emudecera após o último encontro no seu gabinete.
O jovem segurança optara por trabalhar somente de noite para poder estudar de dia. Um sonho alimentado desde jovem… E conseguido com muito esforço. As noites passadas em claro para de manhã partir a correr para os bancos da Faculdade. Depois ia para casa, dormia umas horas, arrumava algo para comer e finalmente voltava ao trabalho nocturno. E era aqui que conseguia estudar alguma coisa. Sempre atento a algo estranho que as câmaras mostrassem, nunca olvidando as rondas obrigatórias, Arlindo conseguia gerir o seu tempo e os seus estudos.
E era de tal maneira empenhado e competente, que depressa se destacou dos outros colegas, originando que um dos professores ficasse com ele debaixo de olho. Assim que o Professor Maurício Vilela teve entre mãos um novo projecto chamou Arlindo para o ajudar.
Haviam passado três longas semanas desde a anormal saída de Lídia. Arlindo mostrava-se interessado em todas as matérias, tinha um raciocínio rápido e coerente e uma memória soberba. Depois lia muitos códigos jurídicos. Sabia que esse conhecimento prévio dos diplomas legais lhe seria favorável. Todavia havia aquela pedra no seu sapato…
Sentado na cama Arlindo sentia-se triste. Aprendera a gostar de Lídia, sabia-a uma mulher corajosa e valente e por isso não entendera aquela reacção… Pegou no seu telemóvel e pensou ligar-lhe, mas de certeza que ela não atenderia. Então sacou do aparelho que a empresa lhe fornecera e ligou. Ao fim de dois toques Lídia atendeu:
- Estou, faça favor de dizer quem fala…
- Fala Arlindo… Lídia. Mas por favor não desligues, por favor – quase gritou.
Um silêncio. Mas ela continuava em linha. Esperou que ela falasse:
- O que é que tu queres?
Percebia-se na voz dela uma amargura e tristeza. E porque não revolta…
- Lídia, creio que somos pessoas crescidas. Não precisamos desta guerra. Não nos leva a lado nenhum… - a calma de Arlindo exasperava-a. Como podia ele ser assim… tão sereno, tão senhor de si?
- Tu acreditas numa verdade, mas essa pode não ser fiel à realidade… É somente a tua verdade! Eu quero e desejo, com calma explicar-te tudo.
Finalmente ela falou:
- És um pulha! Conheceste-me para ires para a empresa… Nunca imaginei… Nunca!
- Lídia escuta. Eu tenho provas de que tudo o que estás a pensar é mentira. Foi unicamente uma grande coincidência…
- Eu não acredito em coincidências! És um sacana da pior espécie.
Foi então que Arlindo utilizou as palavras como arma, tal e qual aprendera da faculdade:
- Meu amor… lembras-te da pergunta que me fizeste naquele almoço em tua casa?
E sem esperar resposta continuou:
- Perguntavas tu na altura se éramos namorados e eu respondi-te que era cedo para falar disso… Hoje tanto tempo passado, tenho a certeza que sempre o fomos sem nunca o assumirmos. Desde a primeira noite de Ano Novo naquele antro da segurança… Lembras-te?
Pareceu-lhe ouvir chorar. Mas calou-se e aguardou que Lídia falasse. Ouviu ela a assoar-se e finalmente a voz suave como veludo:
- És um cretino. Eu não quero acreditar em ti, mas o meu coração… manda dizer que sim! Arlindo… que fizeste de mim?
- Meu amor, tu serás sempre a Lídia… valente, austera, pragmática e competente. E triste, só, desconfiada e carente.
Sem saber a chamada desligou-se! Precipitadamente voltou a ligar mas uma menina avisou-o que o aparelho estava desligado. Aguardou então.
Passou meia hora até que o telefone voltasse a tocar. Desta vez era o patrão:
- Caríssimo Doutor, como está?
- Bem… porquê?
- Então já convenceu a sua menina a regressar à empresa?
Estupefacto Arlindo desligou a chamada.