Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

A Três Mãos

A três mãos se escreve, a dois olhos se lê, a um o pensamento que perdura

11 Fev, 2015

Confissão

Ela olhava-o com aquela ternura que o meio século de casamento obriga. Os olhos dele estavam fixos em lugar nenhum. Sem expressão, frios, longínquos. Sentado num velho sofá tinha uma manta a aconchegar-lhe as pernas inertes. Os sucessivos AVC's haviam-no atirado para aquele marasmo e imobilidade. Sentada à sua frente, a mulher passava a colher numa espécie de papa que lhe punha na boca e que ele engolia, provavelmente sem saber. - O que eu não dava homem para ouvir de ti uma (...)
07 Fev, 2015

Viver a vida!

... Retalho anterior   Detestava que marcassem reuniões quase em cima da hora. Geralmente tinha o seu trabalho todo planeado e uma reunião vinda do meio do nada… aborrecia-a olimpicamente. Quando olhou o seu relógio de pulso percebeu que estava quase na hora e saiu do gabinete em passo apressado. Mas antes: - Amélia vou para a reunião com a Administração. Anote os recados se fizer favor. (...)
... Retalho anterior   O telefone à sua frente tocou. Ergueu o olhar para ver quem era e leu o nome de Amélia. Premiu o botão de voz alta e respondeu: - Diga Amélia. - Doutora… tem aqui… uma visita… - Uma visita? Quem é? - A pessoa pede para não dizer quem é… Só quer falar consigo… - É trabalho? A porta abriu-se de supetão e Arlindo irrompeu pelo gabinete. - Não, não é trabalho… Lídia ergueu-se furiosa da sua cadeira, passou pelo homem e dirigiu-se à secretária:
27 Jan, 2015

Chamada anónima

... Retalho anterior   A pergunta feita assim de chofre parecia trazer outra intenção. Lídia olhou o projector no tecto como fosse ali encontrar a resposta, fez um trejeito com a face e respondeu: - Já aprendi que não posso dizer nunca! Neste mundo tudo é possível, desde que queiramos. - Ui Lídia, isso dava pano para mangas. Ficávamos aqui a falar até às tantas… Será melhor não entrarmos por aí. (...)
24 Jan, 2015

Reencontro

... Retalho anterior   Espreguiçou-se como não fazia havia muito tempo. Embrulhou-se num roupão que trouxera de Viena e abriu a janela do quarto. O dia estava luminoso mas frio, muito frio. Saiu do quarto, dirigiu-se à cozinha e ligou a cafeteira eléctrica. Olhou as horas no relógio do microondas e exclamou: - Ena, já passa do meio-dia… Veio-lhe então à ideia a mãe… Alcoólica, era por aquela hora (...)
19 Jan, 2015

Arlindo

... Retalho anterior   Foi numa manhã gelada e enevoada de Janeiro que Arlindo nasceu, numa aldeia embutida na encosta da serra fria e pedregosa. Fora o quinto filho e a alegria da sua chegada fora saudada como do nascimento da primeira criança. - É um rapagão. Perfeitinho! – concluiu a parteira velha e balofa, que fizera vir ao mundo mais de metade da aldeia. A mãe não sabia se havia de rir ou (...)
14 Jan, 2015

Duas pistolas

I O temporal da noite não deixava quase ninguém descansar. Ora era o vento que sibilava por entre as frestas das velhas portadas de madeira ou a chuva que jorrava do céu em torrentes diluvianas e batia na telha vã. No quarto tentavam descansar de mais um dia de trabalhos Jacinto e a mulher Ofélia. Na sala dormiam insensíveis à intempérie os três filhos do casal: Josué, Nelson e Armindo. De quando em vez a casa de pedra era sacudida por um trovão. Ofélia rezava baixinho (...)
11 Jan, 2015

O dia seguinte

... Retalho anterior   Quando acordou sentiu-se diferente. Havia muito tempo que não dormia assim. Em paz. E tudo por causa da noite e madrugada passada com ele, num local diametralmente oposto ao que seria de supor para a época do ano. O convite que lhe fora endereçado, à laia de desafio, tivera o condão de a acordar para outra realidade. E em boa hora o aceitou pois jamais nos seus trinta e (...)
04 Jan, 2015

Laura

Laura acordou. O barulho incomum na casa havia-a despertado. De pijama com ursos estampados, ainda meio ensonada, abriu a porta do quarto. O barulho tinha parado. Voltou então à cama quente e apetecível. A menina tinha oito anos de inocência adequada à idade mas dona de uma inteligência especial. Aprendera a ler sozinha… Admirava-se muitas vezes do pai, que de livro em riste, conseguia rir e até chorar apenas com a leitura. E quando o via demonstrar alguns sentimentos perguntava-lhe: