O pobre e o rico
A noite abraçou a aldeia com o seu manto negro e silencioso. Apenas a chuva que caía abundantemente se escutava a bater nos telhados ou a cair dos beirais.
Júlio atravessava o casario devagar, cansado de mais um dia de jorna dura. Só assim podia sustentar a pobre família. A sua casa, que mais parecia um pardieiro, situava-se no outro lado da povoação. E o frio e a chuva que se entranhava no corpo franzino tolhia-o ainda mais. O sino tocou oito badaladas. Contou-as como se fossem passos na vida. No lar sabia que encontraria a mulher e a filha que aguardavam por um naco de broa ou umas folhas de couve para enganar a fome de tantos dias.
- Vida maldita de quem é pobre – concluía.
No instante seguinte apercebeu-se que alguém o chamava. Olhou para o lado e debaixo do alpendre da casa senhorial da aldeia achava-se um homem, vagamente conhecido:
- Arsénio, para onde vais?
- Vou para casa senhor. Porquê?
- Quem te aguarda lá?
- A minha pobre mulher e uma filha pequena.
- A tua família, certo?
- Sim é a única que tenho e para a qual trabalho para sustentar.
O homem saiu do alpendre e entregou a Arsénio um saco. Este recusou a princípio mas o outro insistiu:
- Leva Arsénio para a tua família. Aí dentro encontras um naco de presunto uma galinha pronta a cozer e duas garrafas: uma de azeite e outra de vinho. Aproveita…
Arsénio espantou-se com uma anormal generosidade e perguntou:
- Porquê senhor? Que lhe fiz para tal prenda.
O outro apenas respondeu:
- Partilha com a tua família. Sou rico em dinheiro mas pobre de amigos e família. Sempre pensei que o meu dinheiro compraria tudo…
E vergando-se à conclusão continuou:
- … Mas sei que o dinheiro não compra uma família. Leva homem, leva para a tua casa e partilha com os teus.
Mas Arsénio desconfiava. Pensou um pouco e finalmente aceitou mas impôs uma condição:
- Aceito, sim. Mas vem comigo partilhar a mesa. A minha casa é pobre, muito pobre mas tem sempre lugar para mais um desde que venha em paz.